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Cultura do trigo é destaque na plantação de inverno de produtora do sul do Paraná

Rally Mulheres do Agro foi até o município de Ipiranga (PR)na região dos Campos Gerais, a 55 km de Ponta Grossa (PR), para entrevistar a produtora Marli ScheiferSua propriedade, a Fazenda Rincão Bonito, de 140 hectares, está localizada próxima a área da Colônia Scheifer, fundada pelo bisavô de seu pai, Geoge Scheifer, imigrante alemão. “Minha família e antepassados, até onde conheço, foram sempre do agro”, diz Marli. Formada em agronomia, a produtora conta que atualmente, a colônia abriga terras de outras famílias também, mas que seus irmãossobrinhos e ela mantém viva a geração de produtores rurais. 

Seu falecido pai morou a vida toda na região da colônia e ensinou seus quatro filhos mais velhos a plantar e cultivarTodos eles trabalhavam juntos como agricultores, mas as meninas da família moravam na cidade de Ponta Grossa. O contato com a terra e a agricultura era apenas nos finais de semanas e durante as férias, “eu sempre gostei muito de vir para cá, adorava ficar na fazenda. Mas era assim: todos os homens eram agricultores e nunca nenhuma mulher agricultora”, relembra Marli.  

O amor pelo trabalho no campo exerceu forte influência na escolha de sua graduação, completando a formação em agronomia. Porém, logo quando se formou, viu como seria complicado ter uma abertura na sociedade formada pelo pai e os irmãos. “Seria muito difícil entrar naquela época, ainda não era o momento de eu assumir”, reflete a produtora.  Ela trabalhou por um tempo na carteira de crédito agrícola de um banco estatal, mas se sentia fora de rumo, querendo voltar para o agro. 

Quando seus pais se aposentaram e dividiram as terras entre os filhos, as mulheres receberam mais partes de lotes e os irmãos herdaram pedaços maiores de terra. Essa divisão não abalou Marli, que resolveu investir em sua propriedade. “Aqui não tinha nada, só terra, porque eles plantavam mais perto da sede na colônia. Em 2004, vim sem barracão, sem casa nem nada e usei as minhas próprias economias para plantar aqui”, relata a agricultora que, há dezesseis anos está à frente de sua produção. 

Ela arrendou a área de suas irmãs para plantar e mais tarde chegou a realizar o cultivo nas terras de alguns de seus irmãos, até que seus sobrinhos assumiram na sucessão. “Minha área de plantio aumentou e depois diminuiuEm seguida, comprei a parte de uma das minhas irmãs e com isso fui me adaptando com o crescimento da minha atividade, para ajustar e viabilizar um maior controle financeiro”, explica Marli.  

ATUAÇÃO NO AGRO 

Dentro de sua área plantada, com aproximadamente 130 hectares (60 alqueires), a produtora atua tanto dentro quanto fora da porteira. “Faço as finanças, cuido da parte administrativa e da lida na roça”, revela a agricultura, “compro os produtos, fico de olho na lavoura com a ajuda da assistência técnica e lido com as máquinas”. A parceria com a família também ajuda bastante, já que diminui os custos com o maquinário e com a mão de obra na época do plantio e da colheita.  

Nos últimos anos, os sobrinhos têm a apoiado muito e Marli ressaltou a importância da sucessão familiar no agronegócio, “vejo como é importante considerar a propriedade como uma empresa, com alguém administrando e colocando cada um no seu lugar dentro dessa administração, com todo mundo trabalhando junto”, analisa a produtora.  

Outro auxílio fundamental para a atuação nesse setor é o da assistência técnica dos profissionais das cooperativas e revendas. Marli ressalta que mesmo sendo formada em agronomia, é essencial admitir que ninguém sabe de tudo, “no começo cheguei com a parte técnica ensinada na faculdade e a prática no campo é bem diferente. A agricultura é muito dinâmica e muda toda hora. Trabalhamos com plantas, insetos e doenças, organismos vivos, então não tem receita pronta. Um ano vai ser de um jeito, o próximo de outro”.   

Quando ela iniciou o trabalho com o agro, a ferrugem asiática estava começando a se tornar um grande problema. Eu catava a folhinha, colocava em um pacote, mandava para o laboratório e eles analisavam se tinha ferrugem ou não, para só daí nós começarmos a pulverizar”, recorda a produtora. Ela destaca a mudança nesse manejo que, nos dias de hoje, busca até evitar a “entrada” das doenças na lavoura. Marli cita a lei do vazio sanitário como um exemplo de avanço nos dias modernos, que o governo instituiu para evitar a disseminação dessas enfermidades na cultura da soja. 

 A preocupação da produtora nesse momento gira em torno das plantas daninhas. “Elas estão ficando mais resistentes e difíceis de controlar. O produto que usávamos no passado, hoje não resolve mais. Tenho certeza que esse vai ser o próximo desafio que está vindo pela frente e que vamos ter que gastar dinheiro com isso”, reflete a agricultora.  

CULTURAS DO SUL DO PARANÁ 

A produtora explicou que há muitas diferenças no clima de sua região para o restante do Paraná. O risco de geada, que dura de abril a setembro, impede que os produtores realizem o plantio do milho safrinha nesse período de outono e inverno. Ela conta que alguns pequenos produtores que já arriscaram esse cultivo no inverno, perderam tudo. As culturas que dominam a região ficam por conta da soja e do trigo ou do milho em vez da soja no verão, “trabalhamos com rotação de milho em vez da soja, mais pela necessidade de conservação do solo com a rotação de cultura”, frisa a agricultora. No inverno, a cultivar em destaque fica por conta do trigo.  

 Na safra 2019/2020, a produtora realizou o cultivo da soja, a cultura mais rentável naquela região. Segundo Marli, “foi uma ótima safra. Começamos com medo por causa da seca, mas para a nossa região choveu o que precisava e trouxe uma boa produtividade”. Ela começou a colheita dia 17 de fevereiro com a variedade precoce, colheu durante o mês de março e uma outra variedade ficou para abril. Em cima da soja precoce, a agricultora plantou feijão.   

Quando tem oportunidade, Marli planta o feijão previamente à soja, mas tem que colher a cultura antes do final do mês de dezembro, caso contrário, não consegue plantar toda a soja até o final do ano, atrasando o resto dos cultivos. Segundo a agricultora, o feijão tem um desenvolvimento bem rápido e, nessa safra 2020, ela começou a plantar essa cultura no dia 17 de fevereiro, quando estava colhendo a soja. Agora, no começo de junho, o cultivo já está dessecado, “estou querendo colher, só esperando secar”, menciona Marli.  

Além do feijão, a produtora também fez uma área com aveia, mas não chega a colher ou vender a cultura. Ela realiza esse plantio apenas como uma forma de rotação de cultura, para uma cobertura e preservação do solo, “na verdade, são duas culturas durante o inverno, já que quando eu dessecar bem a aveia, planto soja precoce no lugar em setembro, para depois colocar o feijão“. 

No momento, Marli aponta que está entrando na janela do plantio do trigo, feito entre os dias 15 e 20 de maio, indo até o final de junho. De acordo com a produtora, o trigo é uma cultura resistente ao frio e a geada até traz benefícios para a planta, ajudando o trigo a perfilhar. Porém, a produtora esclarece que, se a geada chegar na fase de enchimento de grão, perde-se a lavoura.  Por isso, o trigo ainda é considerado uma cultura de risco 

A expectativa é colher quatro mil quilos de trigo por hectare, mas a cultura é conhecida por ter uma produtividade bastante variável. “Outro problema bem sério do trigo é não colher com a qualidade certa para usar na produção do pão, só colher triguilho, que é usado para ração e outras coisas. A classificação é diferente, PH influencia muito”, comenta a agricultora 

A cultura do trigo também não permite um espaço de tempo suficiente para colocar a soja precoce, fazendo com que os produtores possam iniciar o plantio da oleaginosa apenas em novembro. “Vou fazendo essa rotação, uma área com aveia para ajudar o solo e antecipar a soja e duas áreas com trigo”, elucida a produtora. 

O TRABALHO COM O AGRO 

“Agricultura é planejamento”, define Marli. A preparação e a compra de produtos e insumos para a soja que ela planta em setembro já começa em fevereiro. “Ainda não tinha colhido a safra desse ano e já tive que pensar na do próximo”, explica a produtora. Para tomar as decisões, ela tem que saber quando vai plantar e quando vai precisar colher e em quais culturas vai investir e escolher variedades precoces ou não.  

Outra ação que envolve estratégia e organização é a de escalonamento da colheita.  Marli enfatiza que colocar uma cultura toda na mesma época é um risco muito grande e que, por isso, também faz a utilização de algumas variedades precoces na soja. A soja escalonada, além de evitar grandes surtos de doenças, como a da ferrugem asiática, tendo menos pressão no início do ciclo da cultura, permite que se faça uma pulverização a menos. A tardia tem um problema maior com doenças.  

Esse escalonamento também permite que, caso haja uma seca em determinado mês, não será toda a plantação que sofrerá com isso. Uma variedade vai estar em estágio mais avançado e equilibrará a média da safra. Além disso, a chuva é outro fator climático que impede a realização da colheita, fazendo com que o produtor tenha que esperar a umidade passar, para poder recolher toda a sua safra.  A agricultora acrescenta que, se tudo estiver dessecado ao mesmo tempo, a logística do uso do maquinário se complica, principalmente quando as máquinas são compartilhadas com outros produtores. 

Os avanços tecnológicos são mais um trunfo para auxiliar o trabalho no campo. Marli diz que o melhoramento das variedades tornou possível o plantio das culturas do feijão e do milho na região, quando alguns anos atrás, não havia essa oportunidade. A produtividade foi mais um fator afetado positivamente, “essas variedades de ciclos diferentes, mais resistentes a seca e as doenças, facilitam muito o nosso trabalho e permitem que plantemos mais. Tecnologia na agricultura é tudo” conclui a agricultora.  

MULHERES DO AGRO 

Marli participa de grupos de mulheres produtoras e já foi case de sucesso de um dos encontros realizados. “Quando comecei a trabalhar aqui na região, não tinha contato com outras produtoras, elas não participavam muito dos eventos agrícolas. Nas reuniões tinham apenas homens e eu ficava me perguntando se aquele era o meu lugar, revela a agricultora. No ‘Work Like a Girl’ ela pôde conhecer mulheres que estão à frente de suas propriedades, o que foi fundamental para sua relação com o agro. “Vendo as meninas dividindo suas experiências e adquirindo conhecimento técnico me fez ver que tem mais gente fazendo o que eu faço”, compartilha a produtora. Esses encontros técnicos são essenciais, já que, de acordo com Marli, “a agricultura hoje não se mantém se você não for atrás de conhecimento”. 

Para a produtora, a sensação de pertencer a um grupo como esse, fortalece a certeza de estar no caminho certo. Há críticas sobre a presença das mulheres no setor, “mas quem tem que saber se isso é bom pra ela ou não, é a própria mulher”Esse tipo de movimento é muito importante para incentivar a presença feminina no agronegócio. agricultora relembra o fato de que no seu curso de agronomia, com 40 estudantes, apenas cinco eram meninas. “A mulher precisa descobrir se lidar com o agro é aquilo que ela quer e gosta. Se for assim, acho que nada pode segurar. Tem que encarar o desafio e buscar conhecimento, porque capacidade temos de sobra”, destaca Marli.  

A atividade com o agro exige dedicação e amor. Segundo a produtora, a mulher tem o cuidado e sensibilidade de sobra para a tarefa. “É inerente a ela. Para as tomadas de decisão e lidando com questões de risco, a mulher é mais cuidadosa e contribui muito. Devemos apoiar umas as outras, em qualquer área que escolhermos. Mulher pode ser agricultura, tratorista e ministra da agricultura. Só precisa ir atrás e ser o que ela quiser”, finaliza Marli.  

O Rally Mulheres do Agro tem o patrocínio da BASF, HELM do Brasil e Simbiose, além da parceria com a AgroValley e Missão Mulheres do Agronegócio Brasil.

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